2007 – Porte Luso-brasileiro para lusófonos; Revista de Artur da Távola
GAVETA DE MALUCO
autor: Artur da Távola
Pertenço a essa estranha espécie existente entre os mortais que tem a mania de guardar inexplicáveis trecos nas gavetas. Admiro os cidadãos de mesa limpinha que têm coragem de jogar fora papéis, orações no verso de santinhos, vidros velhos de homeopatia, marcadores de livros com mensagens edificantes, benjamins para alguma utilidade, fio dental, radinhos de pilha velhos.
Eu não.
Acumulo-os por motivos misteriosos pois reconheço inexistir qualquer lógica ou coerência no ato. Há algo que dói ao jogar fora qualquer resultado do trabalho humano. E na dúvida, guardo. Fios velhos, pilha que não gastaram até o fim, clips enferrujados, um olho de boi contra a inveja e o mau olhado, um pente de osso reserva do principal que anda no bolso de trás, dois ou três comprimidos (com validade vencida…) para eventual acidez estomacal, uma régua velha rachada, os elásticos que recebi e não joguei fora, bloquinhos, uma prece milagrosa para Santo Antonio de Categeró que diz : “Oh Santo Antonio de Categeró, estendei Vossas mãos agora mesmo sobre mim, livrando-me dos desastres, da inveja e de todas as obras malignas”.
Lá podem ser encontrados, ademais: um caderninho com sugestões de remédios da flora que possivelmente nunca usarei mas me traz segurança tê-lo pois apresenta, entre tantas outras maravilhas curativas: a pomada cipó azougue, a pomada Calêndula, palavra que ademais é linda e fico a repetir, Calêndula, Calêndula, e aconselha ainda o afamado colírio de cinerária marítima que com um nome assim elegante deve possuir formidável poder de sarar. E um livrinho pequeno, de capa amarela, que há muitos anos recebi do trovista mineiro Waldemar Pequeno onde posso ler entre quarenta outras, esta graciosa trova:
“ De todos os bens do mundo,
jamais se alcança o melhor.
Mas dos pesares da vida,
O nosso é sempre o pior.”
Salve as minhas bugigangas! Mania de reter o que me parece latejar de boas intenções, espécie de “ter poético” ao qual raramente recorro mas do qual chego a sentir a pulsação de significados ocultos e meio mágicos. Coisa de doido, de poeta ou de velho mesmo.
Este é o endereço do Blog da Revista de Artur da Távola, de onde retiramos o presente material:
http://www.caestamosnos.org/Revista_Artur_da_Tavola/3_2007.htm