2010 – Quando foi mesmo que eu conheci Categeró? Poa/RS

Não sei quando, realmente, conheci Categeró?

Dentre as certezas que tenho, é de que não foi quando minha mãe, nos seus quase setenta anos de idade, lá pelos idos de 1999, pediu-me para auxiliá-la e encaminhar a distribuição de santinhos de Categeró no sistema prisional, da Capial gaúcha. Era um pacote com um mil santinhos. Ali, eu tomei conhecimento de que ele existia e da admiração de minha mãe (a dona Mariana) por aquele santo que me era totalmente desconhecido.

Fique curioso, pesquisei na internet e adquiri o livro “sinal profético do empenho pelos pobres” do Monsenhor Guastella e li. Achei uma leitura interessante. Era fora do lugar comum da literatura religiosa. Era uma pesquisa e apresentava vasta anotação nos rodapés das páginas. Bem própria do que eu estava habituado a conviver – pesquisas. Aprisionou a minha curiosidade, na internet exissirem, à época, muitas citações de que ele não era católico e alguns pejos e inverdades.

Também não o foi quando, em viagem a trabalho estive no Rio de Janeiro e, compareci à igreja que leva seu nome, de onde se avista ao alto, a igreja de Nossa Senhora da Penha, com sua majestosa escadaria. A pequena igreja ou Capela de Categeró estava fechada e não consegui adentrar. Confesso que ali, meu senso crítico fez a comparação de duas faces do mundo Católico. Não a comparação de devoções ou de valores iconográficos. Não. Mas apreendi uma visão ampla das diferentes formatações sociais da própria igreja em sua diversidade. Entendi um pouco de que Categeró ainda estava, mesmo que santificado ou equivalente – e, apesar de consagrado popularmente, ainda era um cativo. Aquela visão física contrastante me enterneceu e resolvi que gostaria de melhor entender a sal caminhada e seu projeto de vida.

Já no avião, para o meu retorno a Porto Alegre, sem ter nada de material acrescentado, sobre o que eu já sabia do Beato, comecei uma reflexão de, se visitar a igreja era meu único objetivo. Minha estada no Rio de Janeiro, próximo a um templo de Categeró, não poderia ser em vão. Da leitura de sua vida e de como ele fazia o atendimento de sua clientela, fiz conexão com minha atuação profissional, a segurança pública. Categeró tem uma identidade muito forte com a esse setor governamental de prestação de serviços públicos. Não com as instituições ou com as corporações, nem com o Estado. Ele se identifica com a clientela problematizada e problematizante: os famélicos, os moradores de rua, os apenados, cumprindo penas, os que se encontram em liberdade condicional, os que retornam das cadeias sem perspectiva ou, mesmo os evadidos. Até as demais pessoas dos redutos sociais onde estas criaturas de Deus se agrupam ou, se misturam com outras, no limite dessas mesmas carências. Não só pão, mas o acolhimento que lhes falta. Foi aí que me veio o “insigth” de trabalhar para que Santo Antonio de Categeró possa vir a ser consagrado o padroeiro da segurança pública brasileira.

E de volta comecei a esboçar um projeto de pesquisa sobre Categeró. Localizei, através da igreja São Carlos de Porto Alegre, o Tilton de Canoas/RS, a pessoa que com sua esposa, provavelmente tenham importado para o extremo Sul do Brasil, essa devoção. Eles que visitaram a cidade de Noto, na Itália, visitando o mausoléu com os restos mortais do Beato.

Havia a idéia de torna-lo Padroeiro da Segurança Pública. Mas, também, a de ser elaborada uma pesquisa de como essa devoção se deslocou da África, para a Europa (Portugal) e dali para o Brasil. E neste (no Brasil) de como percorreu o nosso país continente chegando ao Rio Grande do Sul na década de noventa, a última do século XX. Já estavam reunidos os elementos mínimos para a elaboração correta de um problema.

Alguém morre (Categeró) em 1549 e em 1699 já está consagrado popularmente na Bahia, do outro lado do Atlântico, e em outros estados do nordeste brasileiro. De imediato sua devoção chega aos principais centros do país, Rio de Janeiro e São Paulo. Estranhável é esta devoção chegar ou ponto meridional do Brasil só após 1990. A devoção levou cento e cinqüenta anos após a morte de Categeró para chegar aos principais centros brasileiros e leva o dobro desse tempo (300 anos), ou mais uma vez esse mesmo tempo para chegar ao sul do país. Esse se tornou o fenômeno a ser pesquisado.

Nas minhas buscas e coletas me deparei com a Tese de Doutorado, apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Silvia Hunold Lara, com o título “Os Rosários dos Angolas : irmandades negras, experiências escravas e identidades africanas na Bahia setecentista”. Nesse trabalho destaco em Particular dois campos da informação que eu buscava.

O primeiro que trata da criação da Irmandade de Categeró em 1699. “Os estatutos da Irmandade de Santo Antônio de Catagerona foram submetidos à aprovação do Arcebispado da Bahia no ano de 1699. Consta no parecer do padre provisor uma reprimenda com respeito a imagem do santo pintada na capa do compromisso. Segundo o provisor e mestre escola Dom Sebastião dos Vale Pontes, era incorreta a representação do santo com o Cristo Menino nos braços “porque ainda que conste da sua vida ser muito devoto do santíssimo Nome de Jesus: não consta que este senhor em forma de menino lhe aparecesse, ou fizesse alguns favores, que é o que move a Igreja a permitir os Santos com o Menino Jesus nos braços”, por este motivo, indicou em seu parecer “que até mais clara notícia, se pintem, e façam as Imagens deste santo (…) com uma cruz nas mãos, como se acha na casa dos 3os. De São Francisco desta Cidade”. Parecer do Padre Provisor Doutor Sebastião do Vale Pontes sobre o Compromisso da Irmandade de Santo Antonio de Categerona, cita na matriz de São Pedro na cidade da Bahia, 1699. Inclusive é bem clara a situação descrita de que a igreja, hoje denominada Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Salvador/BA, só não se tornou a igreja de Santo Antônio de Categeró, por indeferimento da cúpula católica local da época. (pg 73/75 do trabalho)

E o segundo apresenta a narrativa de procissões em Portugal, feitas pelo Pe. Israel Ruders (Viagem em Portugal, 1798-1802, Lisboa: Biblioteca Nacional, 1981, p. 52.) que presenciou uma das mais importantes procissões do Lisboa. “Na procissão de Santo Antônio de Lisboa desfilavam quantidades de imagens, algumas representando Santo Antônio e o Redentor nos braços”. Dentre as inúmeras imagens, a de um santo preto era um dos atrativos da procissão. “O andor deste santo preto, de lábios grossos, e acompanhado por padres da mesma cor, seguidos de uma multidão de pretos e mulatos”. É provável que o santo preto que desfilava na procissão fosse o particular Santo Antônio dos negros. Além da citação no Reino da Angola, da devoção ao Santo Antônio preto também conhecida, sendo que no testamento datado de 21 de dezembro de 1789, de José Manuel, comerciante na cidade de Benguela, ele determina que seu corpo deveria ser amortalhado em mortalha branca segundo o costume da terra, e conduzido no esquife de Santo Antônio de Catalagerona, acompanhado pelos seus irmãos para a igreja da Freguesia de Nossa Senhora de Populo, onde declarou querer ser sepultado.

Outro campo de atuação foi encontrado em diversas pesquisas que abordam a Procissão de Cinzas e, destas, as organizadas e administradas pelas Ordens Terceiras de São Francisco da Penitência, tanto na Bahia, quanto no Rio de Janeiro e em São Paulo. É farta a narrativa de andor ocupado por Categeró nesses eventos. Esse tipo de festa religiosa, também era usual em Portugal e na Espanha. Sendo que em Portugal havia também andor para o Categeró. Os santos usados nessas procissões, alguns estão em museus de arte sacra, como os santos de vestir e de roca. Estas procissões duraram, em alguns lugares quase um século e meio. Elas foram suspensas por estarem perdendo o sentido da religiosidade e sendo absorvidas por manifestações de cunho popular. No vácuo delas surge o carnaval. A diversidade dos vários tipos de carnavais brasileiros já podia ser pressentida nelas.

Trecho retirado do trabalho “A Procissão das Cinzas no Brasil”, de Anderson Moura, OFS/JUFRA,publicado “In Boletim da Paróquia N. S. da Conceição, Nilópolis-Brasil, n. 9, p. 7, mar. 2003.”:

“A Procissão era uma manifestação religiosa de grande importância que se iniciou em 1647 e foi até 1861 no Rio de Janeiro, mas que era constante também em outros lugares, a exemplo de Lisboa e Recife. Ela se destacava pela originalidade e riqueza cenográfica de paramentos e atos litúrgicos divididos em alas com andores decorados (verdadeiras alegorias), separadas por anjos e cartazes explicativos. Segundo o saudoso frei Egberto Prangenberg (falecido em Agosto último, aos 93 anos), que descreveu a Procissão em seu livro Francisco entre os seculares (RJ: 1996), o evento é comparável somente às exibições carnavalescas de hoje. A passagem da Procissão causava grande impacto e entusiasmo na população. A participação de todos os membros da Ordem, inclusive, era obrigatória e quem não pudesse ir deveria pagar uma espécie de multa.”

Aqui, foi quando realmente, conheci Categeró.

Foi a partir dos campos de atuação, acima descritos, das dificuldades constantes na vida de um verdadeiro santo, que descobri, compreendi e conheci Categeró. Ele que sobrou em alguns altares de igrejas, capelas e conventos em todo o Brasil; que foi recolhido e cadastrado nos museus com os santos de vestir, os santos de rocas e as alfaiais litúrgicas; que sobrevive na historiografia da devoção do povo, que não foi assumido ou preferencial de nenhuma ordem religiosa; que só existia e participava pela imposição popular. É ele que aos poucos começa a retomar para seu caminho evangelizador, como sempre o fez. Apesar de sua breve vida eremítica, Categeró foi um evangelizador. É o evangelizador que desenvolveu sua fé, durante a compulsão escravagista de seu corpo, mas se tornou liberto, em seu espírito, por entregá-lo a Cristo e ser caridoso em sua alma para com todos. Ele que por razões de um terremoto cai no esquecimento na Itália, e também no Brasil, é parcialmente esquecido (não sendo preferencial de nenhuma ordem) pelo o término das procissões de cinzas; Ele, ainda arde como uma brasa, pronto a incandescer todo um sentimento de fé entre três continentes, comprovando a alteridade entre homens, raças, credos e continentes.

Sou devoto de Categeró e o entendo como um excelente Padroeiro para a Segurança Pública Brasileira, mas não só…
Autor do Paper: Vanderlei Martins Pinheiro – Adm do Portal

Imagens

120x600 ad code [Inner pages]
CATEGERÓS NA EUROPA Por Laboratorio Web