“Categeró: de muitas faces; de muitos nomes; e de lugares diferentes”
O hagiolário católico deve ter muitos beatos e santos que, por sua história de vida e pelas dificuldades da época, quando era muito difícil fixar mais nitidamente os traços fisionômicos das pessoas, em conseqüência geraram alguma diversidade no que seja sua imagem real e sua imagem difundida. Foram épocas anteriores a fotografia e as pessoas não tinham acesso a artistas capazes de esboçar com nitidez suas feições. Assim, pequenas diferenças ou distorções no que seria a imagem dos beatos e santos com mais de 200 anos são bastante razoáveis.
Porém, até se torna pouca a diferença ou a diversidade quando lhe são bem definidos os instrumentos ou artefatos ligados à devoção que dão característica permanente à imagem. Pode até existir alguma diversidade, mas o conjunto fixado pelos elementos anexados garante a identificação imediata. Vejamos São Jorge é um soldado romano de armadura montado em um cavalo branco lanceando um dragão. Esse conjunto de características lhe torna inconfundível, apesar de existir uma diversidade muito grande de tipos de grafias em imagens e esculturas. Também, o Santo Antônio de Pádua é bem típico; apresenta uma variação pequena de denominação por ser o padroeiro de Portugal, como Santo Antonio de Lisboa ou Santo Antonio da Barra, no litoral do Brasil, na Bahia. Mas, a imagem não deixa dúvidas. É o franciscano de cabelo capuchinho que tem o menino Jesus no colo. Aspectos como esse identificam os santos pelo mundo afora. Outro que nos é importante analisar é São Benedito que tem sua imagem muito compilada de Santo Antonio de Pádua. Muitas das imagens dos dois têm origem na mesma estátua. O que identifica um franciscano do outro, não é o menino Jesus no colo. São inconfundíveis por um ser branco e outro negro. Poderemos até não falar a língua de uma determinada localidade, mas lá identificamos a imagem do santo através dos acessórios que historicamente lhe acompanham.
Em Categeró é um pouco complicado… Tenho até tratado somente de Categeró, não para demonstrar intimidade e, muito menos desrespeito com o santo de minha devoção. Habituei-me a entender como Categeró o fenômeno de uma santidade que tem mais de uma dúzia de denominações gravadas em imagens e igrejas e cujas características físicas seguem na mesma trilha de suas denominações: São muitas e muitas… Algumas delas sem qualquer semelhança com outras. Também é assim com os elementos que se lhe anexam o crucifixo, a bíblia e o cajado. Sobre o uso do menino Jesus houve uma contestação lógica, para não confundi-lo com São Benedito, o que não impediu a existência de muitas imagens assim gravadas, hoje tidas como obras de arte. Santo Antônio de Categeró é o franciscano típico, identificado por uma sobre capa, igual a batina, o crucifixo, o rosário e, por vezes, seu cajado de pastoreio. A cor de sua batina no Brasil é marrom escuro e preto e fora do Brasil marrom mais claro padrão franciscano. Uma característica que o torna inconfundível, por sobre tudo que já foi dito, e sua “auréola”, recebida na Inquisição, que tornou “venerável” antes de receber a beatitificação. Há variações mas é o símbolo identificador de Categeró, apesar de existirem alguns São Beneditos com tal adereço de distinção.
No Brasil há uma constância de Santo Antônio de Categeró como devoção identificada com a maioria das comunidades de origem africana; de comunidades bem interioranas (dos grotões de São Paulo e Minas Gerais). O outro aspecto importante é a ausência de uma ordem religiosa que lhe tenha como santo devocional (dando realmente abrigo), o que propicia a ausência da depuração nas distorções e a tendência à diversidade. Suas denominações são tão variadas quanto sua estatuária. São nomes, também, além de Categeró, usuais aplicados ao Santo Antônio negro: de Noto, Etíope e de Cartago (uso europeu); Cartagerona, Cartigerona, Catalagerona, Cartagena, Categerona, Catilegerona, Cathegeró, Catigeró, Categiró e Cataljirona (cidade da Sicília/It).
Uma crítica, exposta por Nancy Regina Mathias Rabelo (1), no trabalho “Santos de vestir da Procissão das Cinzas do Rio de Janeiro – Fisionomias da fé”, sobre erros de nomenclatura no cadastramento de Debret, das Procissões de Cinzas, nos permite entender aí duas questões distintas e conexas. A primeira é a de terem sido as Procissões de Cinzas, o grande instrumento brasileiro de expansão da devoção de Categeró, nacionalmente; e em segundo lugar, de que há, ainda, uma disputa de identidade entre Santo Antônio de Categeró e São Benedito, não só no Brasil. Vejamos o que relata Manuel Pedro Freitas (2), em “Baia de Câmara dos Lobos”, no arquipélago da Madeira, em Portugal, onde está expressa essa confusão de identidade que se iniciou no século XVII e continua até hoje. No Brasil existe essa mesma dubiedade, só não foi devidamente relatada. Ressalta a autora Nancy, em sua crítica a um trecho de Debret, que este inicia por denominar “Procissão de Santo Antônio, quando na verdade o nome correto era Procissão das Cinzas, organizada pela Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, que ficava ao lado da Igreja do Convento de Santo Antônio. Comete outros deslizes que demonstram o seu desconhecimento em relação às denominações hagiográficas: refere-se a São Francisco como Santo Antônio, Santo Antônio de Noto é confundido com São Benedito, Santa Margarida de Cartona é chamada de Madalena arrependida, São Roque é denominado São Tiago e os santos casados (Santo Lúcio e Santa Bona, e Santo Elzeário e Santa Delfina) são interpretados como reis e rainhas.” E, ainda hoje, no próprio convento da Órdem Terceira de São Francisco da Penitência, no Rio de Janeiro, há uma imagem denominada de Santo Antônio de Noto, que na verdade é São Vivaldo (figura 12 lá disponível), nossa observação através do trabalho da pesquisadora supracitada Nancy.
Essa diversidade gerada a Santo Antônio de Categeró, no Brasil, em que pese ser uma característica própria da força de um santo popular, que um tanto isolado em sua própria religião, ou não sendo conduzido por nenhuma ordem religiosa, mas sobrepuja no tempo – essa dificuldade, o modernismo e começa sua restauração, porém terá uma grande dificuldade na tendência de obter à unidade de seu nome e de sua imagem.