TRISTEZAS E RISOS NO REINO DE GER…

Nena de Castro

Crônica/conto  de Nena de Castro – Imortal das Letras de Mariana/MG,  de 10/05/2011, que inclui poesia de Categeró ao final

 (Literatura)

Manhã de segunda. O dia começa com a rotina de todas as casas. Café cheirando, roupas pra lavar, água pras plantinhas… Minha casa viveu dias difíceis nos últimos meses. O perfume do pé de limão, e as batidas surdas dos frutos caindo de maduros, nem chamavam mais a atenção. A escumilha e as samambaias perderam o viço,  os colibris desapareceram. Ger estava de luto, descontente, infeliz! Parou de cantar e falar desde o massacre dos alunos na escola carioca. Fui encontrá-la de cabeça para baixo, enfiada em um buraco, debaixo do pé de alfazema, só os pezinhos de fora. Chamei, insisti, falei que ela, apesar de eclética, não é avestruz que enfia a cabeça em um buraco quando pressente o perigo. O silêncio foi a resposta… Convidei pra cantar um tango argentino, ou ler Sófocles, mas não adiantou. (Suspiro) Conheço minha avezinha. Se não queria falar, nem cantar, é porque a dor era demasiada. Minha sabiá, aos poucos, saiu de seu “exílio”. Mas não falava nem cantava. Aí veio a matança de 98 rolinhas, por envenenamento, no bairro Luxemburgo, em BH. Gertrud se “internou” de novo. Lady Zefa tentou chamá-la à razão, Bugra Velha disse que ela podia xingá-la de analfabeta, e otras cositas mas, que não ia revidar com suas frechas certeiras,  mas nada! Até Kid ficou triste, deixou de latir e deitou-se solidariamente perto do refúgio da avezinha. Silêncio total. Tristeza… Tive medo de que Ger voasse para  Pasárgada ou Maracangalha, e não voltasse mais. Então aconteceu algo que fez Ger dar sinal de vida: a notícia da morte de Bin Laden.

Longe de se alegrar com a morte de alguém, o que a avezinha  gosta é de analisar os acontecimentos, as causas, as inevitáveis consequências e comparar fatos correlatos, dando seus impagáveis e terríveis pitacos. Ger é crítica por excelência, ácida como limão, desconfiada por natureza: ouviu todas as notícias, leu as reportagens, comentários afins, e começou a rir.
– Que isso, Gertrud?- falei espantada. Tá rindo de quê? Não entende a seriedade da situação? Não vê que vão acontecer retaliações por parte dos fanáticos e que todos corremos riscos? Desalmada! Arre!

– Tô chorando de rir, porque me lembrei de algumas coisas! Kkkkkkkkkkk!
– Lembrou o que? Fale depressa, está na hora de fazer almoço para minhas crianças!
– RÉ, RÉ, RÉ, RÉ! Lembrei de certo país onde  os políticos enfiavam o dinheiro em malotes, em cuecas, no cesto de verduras, na máquina de lavar, nas panelas, nos carrinhos dos bebês… Na casa-da-mãe-joana, maletas pretas iam e vinham, recheadas; propina, mensalão mensalinho, vampirismo, ambulanciáticas, dinheiro rolante, rolando, viajando,  gente enchendo os bolsos em negociatas, negocietas, polonatas e polonetas, e o ex-presidente, dizia sempre que de nada sabia! RÁ, RÁ RÁ RÁ!
– E daí? Todo mundo sabe disso!

– Sim, mas observe que os americanos caçaram Bin Laden no Iraque, no Afeganistão, na pata-que-o-pôs, nos desertos e montanhas, ofereceram uma grana maior que a Mega-Sena, e o ilustre senhor morava numa fortalezazinha no Paquistão, debaixo da proteção do governo! Pegas com as calças nas mãos, as autoridades paquistanesas declararam  ignorar completamente  que o terrorista estava no país! Tem governo que é cego, ou se finge de morto, servindo a dois senhores: os dólares americanos e a ideologia de Bin Laden. “Não sabiam”.  Sei… Conta outra. Esta foi muito boa!

Gertrud riu até sentir dor de barriga. Kid latiu, Bugra Velha fez uma dança tribal, Lady Zefa voltou a seu livro.  Tudo normal. Deixei a farra lá fora e fui lavar o arroz, cortar as cenouras, adiantando o almoço. Aí me lembrei que deixei de comentar com minha turma uma faixa que vi ontem, em Valadares, anunciando o fim do mundo para o próximo dia 21. Deixa pra lá. Tenho muito o que fazer nesta segunda-feira.  E não vou aguentar ouvir as risadas imorais da minha sabiá. Por hoje, chega de furdunço! E LA NAVE VA…

POESIA SEMPRE

(Para o Cumpadi Nini das Candongas)

Santo Antônio de Categeró
Na Igreja de Nossa Senhora do Ó
Faça com que os homens se entendam
Dentro de um mundo só.

E que gorgeiem, todos,
numa língua só.
E que cada palavra tenha um sentido só,
para todos
e que todos sejam um só.

“Nem orgulho, nem dó,
nem Osama, nem Obama,
Mas uma coisa só:
que haja paz entre os homens,
Meu santo Antônio de Categeró”!

Nena de Castsro

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