325 Anos do Rosário dos Pretos


Artigo celebra história da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos – por Jaime Sodré

Foto: Fernando Vivas | Ag. A TARDE|

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Não sabemos se por auto-definição remetente à África, os “homens pretos” queriam ser tratados como tal, “pretos”, ou por imposição típica da época em que pretos eram apartados dos brancos, ou pelo fato da impossibilidade de freqüentar a “Igreja dos brancos”. Eles queriam uma igreja só para si, “irmandade de pretos” “bi-pertencial” e caridosa.

Assim nascera a Venerável Ordem Terceira Nossa Senhora às Portas do Carmo – Irmandade dos Homens Pretos de Salvador. O franciscano Frei Jaboatão demonstrara o interesse dos “pretos” nas Irmandades, sendo as mais requeridas as de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, “o santo preto de Palermo” informa Renato da Silveira. Frei Agostinho de Santa Maria notificou a existência de 27 imagens de devoção pública e a existência de doze irmandades de “homens pretos”, forros e cativos. Para Antonia Quintão, São Benedito fora o santo preto de maior prestígio, junto a outros “pretos”, como Santa Efigênia, Santo Elesbão, Santo Rei Baltazar e Santo Antonio de Categeró.

As irmandades eram espaços étnicos, associativos, “previdenciários”, local de construção e manutenção de uma identidade “negro-preta”. Eram instaladas em templos seculares ou conventuais, abrigando confrarias, como os altares laterais da Conceição da Praia, que entre outras, resguardava a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário “dos Brancos”, a de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, “dos Pretos”.

Os compromissos definiam a especificidade dessas agremiações, de vínculos corporativos, profissionais, de gênero ou origem, lembra Maria Helena Flexor. Algumas requeriam “pureza de sangue”, ou seja, não admitindo judeu, mouro, índio, negro ou qualquer outra “raça infecta”. Informa Silveira que a Ordem Terceira de São Francisco e Irmandade dos Santos Passos de Cristo, instalada no Convento do Carmo, exigia esta “pureza”. A devoção de Nossa Senhora do Rosário, prestigiada junto aos pretos, cativos e forros, concentrada na antiga Catedral da Sé, remonta ao século XVII. Segundo Frei Agostinho, era “bem mais antiga do que a Senhora do Amparo dos Pardos livres”. A do Rosário dos Pretos tinha o seu compromisso datado de 1685 e entre os anos de 1703 a 1704 iniciara a construção da sua Capela às Portas do Carmo. Outras Irmandades de pretos foram criadas, destacando a de Santo Antonio do Categeró e a de São Benedito da Paria.

Definidas como associações de caráter religiosas leigas, estas confrarias, incentivadas pela Igreja, eram espelhadas em devoções que nos remetem a Portugal, extrapolavam o universo religioso, destacando os seus aspectos recreativo, social, de prestígio e valores da africanidade, ajuda aos enfermos e carentes, funerais, alforria e contra os maus-tratos aos escravos.

Não é a toa que a Irmandade dos Pretos de Salvador tenha como articuladores e construtores do seu templo os oriundos de Angola, onde desde o século XVII já existia naquela localidade uma Igreja do Rosário e imagem de São Benedito. As Irmandades tinha vinculações étnicas: Nossa Senhora dos Remédios era da Costa da Mina; do Senhor Bom Jesus das Necessidades do povo jeje; Barroquinha dos jeje-nagô. Eram espaços das relações entre as culturas européias e africanas, funcionando na preservação e difusão da experiência africana, legitimação da comunidade, reação às coerções católicas, mas também local de controle desta própria Igreja.

A mesa diretora era dirigida pelos da “raça”, visto que o Compromisso de 1820 pedia o afastamento dos brancos da mesma. Em 1769 fora ordenada por um compromisso aprovado por Lisboa, no ano 1781 elevada à categoria de Ordem Terceira. A irmandade requereu o atual terreno e heroicamente construiu a sua Igreja, que tem no seu Altar-Mor Nossa Senhora do Rosário. Parabéns à Mesa Administrativa que tem com Prior o competente Julio César e uma homenagem especial a D. Nolair, a mais idosa Visitadora. À Fundação Palmares: precisamos digitalizar a importante documentação da Irmandade, já sob ação de vândalos travestidos de pesquisadores. “Pesquisadores? Yayá me deixe”.

*Jaime Sodré é historiador, professor universitário e religioso do candomblé

 

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