Quem pintou a estampa do beato Antônio de Categeró

Na capa  do compromisso da Irmandade,
para a Igreja Matriz de São Pedro,
em Salvador/BA, no ano de 1699.

1-imagem-de-categero-de-1699-thumbalsA figura que ilustra este texto (um thumbnail abaixo) é a representação, mais antiga encontrada no Brasil, do beato Antônio de Catagerona ou Categeró. Estamos falando da ilustração da capa do compromisso da Irmandade de Santo Antônio de Categeró, encaminhada nesse ano de 1699, ao Arcebispado da Bahia, em Salvador, solicitando a aprovação dos Estatutos da irmandade de negros, pardos e forros, que estavam estabelecidos, na igreja Matriz de São Pedro, sob a proteção desse beato franciscano, que foi o primeiro negro em culto católico no Brasil (SP-1592).

Uma linda estampa de aquarela trabalhada, preto e branco, com matizados em tons de cinza e de beje amarronzado, com um leve cinza azulado ao fundo central, no arco tipo retábulo, onde se encontra o desenho/pintura do beato com o menino Jesus.

Quem pintou a estampa de Categeró, que ornamenta a capa do dossiê compromisso supra, talvez, nunca possa ser respondido. Mas, todas indagações possíveis são fundamentais para que melhor, se possa penetrar na ambientação, necessária e indispensável, à discussão dessa autoria, da técnica empregada e do valor histórico. Principalmente, porque só foi possível localizar a estampa em museu fora do Brasil.

A literatura acadêmica sobre o estatuto dessa irmandade, dita depositada, no Arcebispado da Bahia é vasta. Poucos pesquisadores citam a existência dessa imagem, que compunha a capa do compromisso, como denominavam o estatuto, à época.  Dois autores fazem menção a uma reprimenda, em despacho, do Padre Provisor e Mestre Escola Dom Sebastião dos Vale Pontes, por terem estampado, nessa capa, o Menino Jesus no colo. Em realidade, está sentado no braço esquerdo de quem olha, o beato Antônio de Categeró, e que, segundo aquela autoridade eclesiástica, constituía-se em um ato indevido.

Aí começam as indagações: se era indevido… não teria ocorrido a possibilidade de ter sido destacado do corpo do processo e, por isso, não ser mais encontrado? Diversos pesquisadores citaram e falaram sobre cláusulas do estatuto e dois, sobre a capa. O mundo da pesquisa se alimenta da curiosidade, como expressou, na formulação desse conceito, René Descartes. Ninguém teve essa curiosidade (pré-científica) de um desenho/pintura que sofreu censura. No entanto, alguém que tenha consultado esse original do estatuto, deve ter aberto documento e, obrigatoriamente, viu essa capa no arquivo do Arcebispado da Bahia. Ou, pelo menos, teve acesso e poderia descrevê-la, detalhadamente, para os demais. Então o que há?  Assim, se foi suprimida a capa do processo, parece que esqueceram de fazer o mesmo na via que seguiu para Portugal, onde teve aprovação régia e foi arquivado.

Essa estampa de Categeró não é uma obra prima, mas, no mínimo, uma obra rara e inusitada. Com ela temos possibilidade de avaliar quem a produziu. Sim!…  Talvez, o provável produto de um escravo, elaborado ao final dos anos seiscentos.  Com ela buscaremos entender o que ele expressou na sua imagem do beato Antônio de Categeró.

A Bahia era o centro do desenvolvimento da pintura no Brasil colonial, superior a Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais.  E os mais antigos pintores, em atividade na Bahia, ou pelo menos, que por lá passaram, nesse período, foram: em 1560-61 o jesuíta Manoel Álvares, depois o, também, jesuíta Belchior Paulo, (1587-1619). Mas, ao verificarmos trabalhos desses jesuítas, se constata que não pertence a lavra deles. Os jesuítas trouxeram o beato e entregaram à devoção dos escravos. Mas pintá-lo, certamente, que não fariam, por questões éticas. Pois, Categeró não pertence à Ordem Jesuítica. Mas, tudo isso, só tem a valorizar o achado e pode mostrar a expressão que os escravos tinham de Categeró, ou pelo menos das informações recebidas dos Jesuítas.

O provável escravo pintor deveria trabalhar como serviçal doméstico de fazenda, pois nessa época, ainda era muito baixo o índice de escravos forros e livres. Assim, deve ter se inspirado em algum retábulo, de igreja próxima ou, de algo semelhante em uma orada de sua fazenda ou engenho. Mas, não a dispunha mais presente o retábulo, para detalhar no desenho. Talvez por isso seu tratamento sofreu a assimetria.

Descrevendo: Duas colunas – simulacros, das paredes laterais, que se fecham em arco, pouco acima da cabeça do beato. E todo o ambiente, em torno, é preenchido com representações, em alto relevo de folhas de acalanto, com variadas formas e tamanhos. Todas, também, sem qualquer assimetria. Ao lado externo da coluna, à direita de quem olha, há uma pequena reentrância, na lateral da coluna, de cima abaixo, retangularmente, com recortes irregulares tipo renda. Ao centro, a imagem de um franciscano, com batina cinza clara, bem próxima, da cor padrão da Ordem Terceira, dessa época. E, na cintura do beato, o cordão dos votos confencionais da ordenação e o rosário pendurado à cintura, típicos dos franciscanos.

Destaque-se as deformidades e desproporcionalidades, dos membros esquerdo de Categeró e, principalmente, de todo o Menino Jesus. Aspecto interessante é ter sido a imagem de Categeró grafada como um negro barbudo. No entanto, o detalhe, mais significativo está na cruz que o beato empunha. Primeiro, por ser de seu hagiológio, e com uso constante do crucifixo, relatado no processo de beatificação, bem como da forma dessa empunhadura. E sobre esses últimos detalhes é bom lembrar, também, serem ambos detalhes, típicos da imagística jesuíta.

Após essa análise, algumas inferências podem ser explicitadas. Uma série de coincidências, ou indícios a partir de fatos históricos, sobre ações dos franciscanos do Brasil colonial, principalmente, do nordeste brasileiro, em ostensiva discriminação ao beato Antônio de Categeró, ocorridas desde o tempo das Capitanias Hereditárias, passando pelos governos gerais, império e chegando à República. O beato Antônio de Categeró é um espólio vivo da guerra franciscana/jesuítica pelas questões do padroado no Brasil colonial.

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