Outro conto que na temática Santo Antônio de Categeró é lembrado pelos versos de Tonico e Tinoco, na música sertaneja que também é considerada como oração.
Obra e autor: Wilson Romano Calil
Médico, advogado e professor,
vive em Rio Preto/SP.
Publicado no enderço abaixo em 29/03/2010, onde o autor é articulista e escreve toda segunda-feira.
http://web-srv04.redebomdia.com.br/Artigo/665/Obrigado,+Santa+Luzia
Obrigado, Santa Luzia
(Literatura)
A historia é difícil de explicar, mas é verdadeira. Sou testemunha de como ela começou e como terminou. Na sala de espera da oftalmologista ao lado da minha, aquela mulher, dona Maria, aguardava a vez de ser atendida. Mostraria à médica os exames pré-operatórios que lhe foram solicitados, uma vez que iria se submeter a cirurgia de catarata.
Sua visão em um dos olhos, o esquerdo, era inexistente, em decorrência de uma toxoplasmose que tivera na infância e que não fora tratada. Como já disse, havia uma catarata no outro olho, o que seria objeto de cirurgia.
Naquela mesma sala uma criança com 6 anos de idade, que viera porque a mãe a trouxera “para ver se precisava de óculos”. O garoto é daqueles que interroga tudo, quer saber de coisas que são incompatíveis com a idade que tem. Tem até uma vida social independente, emite e recebe e-mails, entende de computadores, sabe manejar aparelhos eletrônicos e conversa com vocábulos que lhe dão uma terminologia de adulto intelectualizado.
Quis saber o que era catarata. Explicaram que dentro do olho há uma lente semelhante às lentes dos óculos e que quando essa lente ficava leitosa não era tão transparente e a isso se dava o nome de catarata. Ele respondeu que sim, que entendera e que na televisão já havia visto um médico explicar e emendou: ela precisava ter pedido a proteção de Santo Antônio de Catigeró.
Ninguém entendeu o que ele queria dizer e quanto a mim entendi menos ainda. Julguei tratar-se de uma invenção do sabidinho de 6 anos de idade. Contudo, ele continuou. Santo Antônio de Catigeró é um santo que foi escravo e é o protetor dos que trabalham ao sol.
As moças do atendimento correram para a internet e vejam o que acharam: Santo Antônio de Catigeró foi um santo negro do norte da África, nascido na Cirenaica.
Quando o espanto dos circunstantes já ia arrefecendo, ele saiu-se com essa: “Se ela vai operar os olhos, peça proteção para Santa Luzia, que é a protetora da visão”.
Depois disso perguntaram ao garoto sobre a natureza dos padroeiros, uns dez pelo menos, e ele respondeu sobre todos. Disse que tinha em sua casa uns cem santos e que havia em Rio Preto uma loja especializada em vender santos, onde ele comprava. Tinha até conta lá. Afirmou também que todos os seus santos estavam cobertos com um pano roxo porque agora era Quaresma. Fim da história.
Dona Maria foi operada. Ela mora num sítio localizado na margem direita de um regato, a uns 50 metros da água. Mora lá desde que era moça. Lá se casou e teve três filhos. Com os filhos ainda crianças, começou a ter problemas nos olhos.
No dia em que operou, acabou saindo da sala de operações no início da noite. Seu filho Luiz colocou-a no automóvel e levou-a para a casa onde ela sempre viveu, na zona rural, perto de Talhados, à margem do regato.
Sempre acordou as 4h da manhã para cuidar das galinhas, da vaca que fornecia leite e da casa. Não via, mas estava adaptada ao ambiente. Certa vez foi picada por jararaca, que estava na trilha que ela seguia para buscar água no poço. Houve inflamação e ulceração na perna, mas se curou.
Naquele, dia em virtude dos analgésicos e dos soníferos que tomou, acordou às 7h da manhã, coisa que não fazia havia 50 anos. Ainda meio zonza, foi ao quintal e depois de décadas viu os animais, viu o regato e ficou deslumbrada ao verificar qual era a fisionomia dos seus filhos e dos seus netos.
Relembrou cores das quais havia esquecido como eram. Entre as flores que cultivava havia 20 anos, uma, uma orquídea de nome Ionopsis paniculata, popularmente conhecida como orquídea bailarina, que vive grudada em troncos de árvores e que desabrocha centenas de flores miúdas cor rosa, que parecem estar dançando, aquela pequena orquídea que ela plantara havia 20 anos, se reproduzira e cobria todo o tronco, num festival indescritível de variegadas cores e todas as flores pareciam dançar e dizer: bom dia, bom dia, dona Maria. Em nome de Santa Luzia.
Se minha memória não falhar, eis aqui uma quadra de uma antiga música de Tonico e Tinoco:
Eu andava doente, cada vez pió,
Dou graças a Deus, hoje estou mió,
Ó, Santa Luzia, não me deixe só.
Ó, meu Santo Antônio de Catigeró
Wilson Romano Calil – Médico, advogado e professor.